PARA ENTENDER E ENSINAR MELHOR A NOVA ORTOGRAFIA

02:47 Centro de Estudos AGE - Paulo Ledur 1 Comentários

            OBJETIVOS DA REFORMA

O objetivo essencial do Acordo Ortográfico assinado entre os países de língua portuguesa é uniformizar a grafia do português utilizado nas diferentes comunidades lusófonas, o que traria, entre outros benefícios, a inclusão do idioma entre os oficiais da ONU e a melhor circulação dos livros e de outros produtos culturais entre seus povos.
Esse objetivo restou comprometido pela criação de milhares de formas duplas. Aliás, esse sonho só seria possível se se eliminasse da grafia da nossa língua o princípio segundo o qual se deve escrever de acordo com a pronúncia, pois, havendo acentuadas diferenças de pronúncia, é impositivo que haja diferenças de grafia. Exemplos:
1.      Se em Portugal se pronuncia bebé, António, facto, assumpção, amnistia, etc., é impositivo que lá assim escrevam, enquanto no Brasil será sempre bebê, Antônio, fato, assunção, anistia, etc., pois essa é a nossa pronúncia.
2.      Se em Portugal se conjugam os verbos negociar e premiar como negoceio, negoceias, premeio, premeias, etc., impõem-se essas grafias, enquanto entre nós continuará sendo negocio, negocias, premio, premias, etc.
Na prática, essas diferenças, entre milhares de outras, continuarão a ocorrer, comprometendo o ideal de unificação e as vantagens daí decorrentes. Seja como for, é lei, e lei existe para ser cumprida.
  

ASPECTO POSITIVO

De positivo restou a simplificação das regras que regulamentam o emprego do hífen, que, apesar de ainda não serem as ideais, simplificaram essa complexa e conturbada questão da língua, sem contar a diminuição no número de regras da acentuação.


O QUE MUDOU?

Sobretudo dois aspectos da grafia foram afetados: acentuação gráfica e emprego do hífen (além da síntese a seguir, veja o mapa das mudanças nas duas próximas páginas).

I – Principais mudanças na acentuação gráfica:

- Eliminado o acento circunflexo nos hiatos oo e ee: voo, enjoo, creem, leem.
- Eliminado o acento nos ditongos abertos ei e oi de palavras paroxítonas: ideia, plateia, estreia, tipoia, jiboia, tireoide. Nas oxítonas, o acento nesses ditongos é mantido: fiéis, herói. O acento também é mantido mesmo em paroxítonas quando houver outra regra que justifique o acento: tireóideo (paroxítona terminada em ditongo crescente), destróier (paroxítona terminada em r).
- O trema foi abolido: frequente, ambiguidade. Em nomes próprios estrangeiros e seus derivados, o trema é mantido: Bündchen, Müller, mülleriano. Também o acento agudo embutido na regra do trema foi abolido: arguem, averigue.
- Os acentos diferenciais foram abolidos nas palavras para (verbo), polo / polos / pola / polas (substantivos), pelo / pelas (formas verbais), pelo (substantivo), pera (fruta), pera (pedra), Pero (Pedro), coa / coas (formas verbais). Manteve-se o acento apenas em pôde (para diferenciar de pode) e em pôr, verbo, para diferenciar da preposição por. Opcionalmente, pode-se passar a usar acento em fôrma, para diferenciar de forma.
- A regra do acento nas vogais i e u continua, com exceção de um caso: quando essas letras estiverem em palavras paroxítonas e foram precedidas de ditongo decrescente, o acento foi abolido: baiuca, bocaiuva, taoismo, maoismo. Nas oxítonas, o acento continua: Piauí, Jundiaí. Também continua nas paroxítonas em que essas letras são precedidas de ditongo crescente: Guaíba, Guaíra.


II – Principais mudanças no emprego do hífen:
1 - Com relação ao hífen em palavras compostas, o princípio segundo o qual emprega-se hífen para marcar mudança no sentido foi mantido, com algumas exceções:
a) Em frases e expressões transformadas em substantivos: foi um deus nos acuda; tomara que caia, chove não molha, maria vai com as outras.
b) Nos compostos em que os elementos são ligados por preposição: mão de obra, bicho do mato, diz que diz que, pé de moleque. Nos nomes de plantas e animais, o hífen é mantido: erva-de-passarinho, cana-de-açúcar, gato-do-mato. Também se mantém o hífen nos compostos que apresentam apóstrofo: gota-d’água, mestre-d’armas. Mesmo não sendo nomes de plantas e animais, o VOLP registra com hífen os compostos água-de-colônia, cor-de-rosa, arco-da-velha e pé-de-meia. Provavelmente, trate-se de engano.
c) Com os elementos não e quase, grafando-se separados: não agressão, quase irmão.
d) Quando não se identifica clara unidade semântica, separando-se: tão somente, à toa.
2 - Quanto ao emprego do hífen em palavras prefixadas, a mudança foi tão radical que recomendo deixar de lado as regras anteriores e assimilar as novas, aliás bem mais acessíveis. Atente para as seguintes orientações:
a) Pela norma anterior, os falsos prefixos (aqueles que na língua de origem – grego e latim – não eram prefixos, mas radicais: agro, bio, psico, macro, micro, ...) não admitiam hífen. Pela nova norma, não se distinguem mais esses dos verdadeiros prefixos (os que na língua de origem já eram prefixos: auto, semi, ante, anti, pseudo ...).
b) Sete prefixos não admitem hífen, em hipótese alguma. São eles: co, des, dis, ex (com o sentido de para fora), in, re e trans. Exemplos: coerdeiro, coautor, deserdar, dissolver, expatriar, inabilitar, reestruturar, transcontinental.
c) Onze prefixos têm regra própria. São eles: vice, ex (com o sentido de estado anterior), pré, pró, pós, circum, pan, sub, sob, ab e ad. Veja as regras específicas desses prefixos no mapa das páginas centrais.
d) Com todos os demais prefixos (falsos ou verdadeiros), só haverá hífen nos seguintes dois casos:
- Quando se seguir palavra iniciada por h: super-herói, anti-higiênico, geo-história, macro-história, poli-hídrico, psico-higiene.
- Quando a letra final do prefixo se repetir no início da palavra que se segue: anti-inflamatório, micro-ondas, auto-observação, eletro-ótica, meta-análise, inter-relacionar, contra-atacar.
Observação: Uma das maiores dificuldades na fixação das mudanças é vencer a estranheza que as novas formas causam: contraindicar, semiaderente, autoestrada, semianalfabeto, contraofensiva, autorretrato, contrarregra, autossugestão, antissemita. Observe-se nos últimos exemplos a necessidade de dobrar as letras r e s, para ajustar a grafia à pronúncia.

III – Outras pequenas mudanças:
1.      Quando na translineação – passagem de uma linha para outra – o hífen coincidir com a quebra da palavra, deve-se repeti-lo no início da linha seguinte: quebra-/-cabeça, pré-/-estreia.
2.      Nos encadeamentos vocabulares deve-se usar hífen: ponte aérea Rio-São Paulo, estrada Belém-Brasília, relação custo-benefício. Ressalte-se que antes não havia norma oficial para isso.
3.      As letras k, y e w foram oficialmente incluídas no alfabeto da língua portuguesa; seu uso, no entanto, segue inalterado, limitando-se aos casos dos símbolos: g, kg, kW, K (potássio) e dos antropônimos e topônimos e seus derivados: Franklin – frankliniano, Kuwait – kuwaitiano.

IV – Mudanças em dois tempos
As mudanças foram introduzidas em dois tempos: primeiro, pelo texto oficial do Acordo, complementadas, posteriormente, pela Academia Brasileira de Letras, com a publicação do VOLP – Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, que modificou importantes aspectos relativos ao emprego do hífen.


ESTRATÉGIAS DE ENSINO

Para assimilar as mudanças, devem-se adotar algumas estratégias:
1.      Com relação à acentuação gráfica, para quem dominava por inteiro as regras anteriores à reforma, basta fixar o que mudou; caso contrário, é melhor não levar em conta o que mudou, procurando fixar as normas consolidadas. O mesmo vale em sala de aula: com alunos do ensino fundamental que ainda não estudaram esse conteúdo, é melhor nem falar no que mudou; já no ensino médio, o professor deve avaliar se vale a pena partir do que os alunos já conheciam. Estrategicamente, é bom lembrar sempre que não ocorreu a inclusão de nenhum acento novo, ou seja, palavra que não era acentuada antes continua não sendo; apenas foram eliminados acentos.
2.      Quanto ao emprego do hífen, como as mudanças foram radicais, em especial nos casos de prefixos, sugiro que, em qualquer hipótese, se deixem de lado as normas anteriores, partindo do zero rumo à fixação das novas regras.
3.      Um dos grandes obstáculos a ser vencido é a estranheza que as novas formas causam. É estranho, por exemplo, vermos a palavra ideia sem acento, assim como a grafia da palavra autorretrato sem hífen e com o r dobrado, com o objetivo de ajustar a grafia à pronúncia. Deve-se aplicar a regra e aceitar o resultado; com o tempo vamos nos acostumando.
4.      Para superar as dificuldades de assimilação, é necessário disciplina no dia a dia, buscando sempre a solução das dúvidas nas regras e não na memorização palavra por palavra.
5.      É sempre importante lembrar que mudou apenas a grafia, e não a pronúncia.
6.      Para a correta assimilação das novas normas é imprescindível o pleno domínio da divisão silábica e dos conceitos de hiato, ditongo crescente, ditongo decrescente, palavras oxítonas, paroxítonas e proparoxítonas.


ATIVIDADES PEDAGÓGICAS

Entre outras iniciativas que o professor poderá adotar com vistas à fixação das novas normas de grafia, sugiro algumas:
1. Exercícios envolvendo palavras isoladas, mesclando algumas em que a grafia foi modificada com outras que mantiveram sua grafia.
            2. Exercícios com textos de livros, jornais, revistas, etc. em que ocorrem palavras que tiveram a grafia modificada.
            3. Organização de uma gincana em que os alunos, divididos em grupos, pesquisem na cidade – nas ruas, no comércio, etc. – a ocorrência de palavras que tiveram sua grafia modificada.
            4. Nas avaliações, incluir questões sobre o assunto durante o ano todo, o que levará os alunos a fixarem as novas normas e a se familiarizarem com as mudanças.

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