Nosso aluno precisa pensar mais e decorar menos

03:49 Centro de Estudos AGE - Paulo Ledur 0 Comentários

Sabe-se que a educação no Brasil vai mal; pior, está decadente. Sabe-se também que ela está na base do desenvolvimento de qualquer nação; portanto, é preciso reagir. Para que a reação aconteça, o primeiro passo é conhecer as causas, para depois combatê-las.
            Com base nos quarenta anos de experiência como professor de Língua Portuguesa em cursos nos níveis de graduação e pós-graduação, fiz uma reflexão sobre as causas de os alunos se apresentarem, mesmo nesses níveis, com tanta dificuldade em questões básicas da minha disciplina. Acredito ter chegado a uma das razões, talvez a mais importante delas: esses alunos sempre foram levados a decorar tudo, a memorizar, sem praticamente usar a inteligência, o raciocínio lógico-dedutivo, a observação atenta. Em síntese, desde o ensino fundamental, desenvolveram o hábito de utilizar basicamente a memória, em detrimento da inteligência.
            A aprendizagem baseada apenas na memória é limitada, estática, inconsequente, não evoluindo espontaneamente para novos conhecimentos. Nesse modelo, o aluno se limita a receber. Ao lançar mão, predominantemente, da inteligência, do raciocínio lógico-dedutivo, da atenção e da reflexão, sua aprendizagem torna-se consequente, construtiva, reflexiva, dinâmica, ilimitada. Em vez de recebê-lo pronto, o aluno conquista o conhecimento. Portanto, é imperioso que o preparemos para pensar mais e decorar menos.
            A estratégia de certo vale para todas as disciplinas, mas limito-me aqui a apresentar alguns exemplos da minha área, de língua portuguesa:
1. Fundamentos da grafia – A grafia da língua portuguesa é baseada em dois fundamentos: a) Reproduz o que se pronuncia. Exemplos: grafa-se a forma verbal veem (do verbo ver) com ee porque as duas vogais são pronunciadas, o mesmo não ocorrendo com vêm (do verbo vir), em que se pronuncia apenas um e; a cedilha usada em palavras como abraço é necessária para ajustar a grafia à pronúncia; o til é necessário para reproduzir o som nasal da vogal em que é utilizado; os acentos são usados quando é necessário informar o leitor sobre a posição da sílaba tônica na palavra. É claro que o estudo prévio da fonética, que leve o aluno a perceber com clareza os diferentes sons da fala, é imprescindível para que ele alcance os benefícios dessa estratégia de ensino. b) Respeita a origem da palavra. Exemplo: nascer é grafado com sc, e não com ss, c ou xc, porque é preciso respeitar a raiz latina da palavra: nasc. Levar o aluno a estar atento a esses fundamentos, além de encurtar o caminho da aprendizagem definitiva das normas de grafia, o levará a desenvolver a capacidade de atenção.
2. Funções das classes gramaticais – É costume decorar listas e mais listas de palavras: as dez classes gramaticais, substantivos concretos e abstratos, as preposições (de preferência em ordem alfabética, para não se correr o risco de esquecer alguma: a, ante, após, até, com, contra, de, desde, ...), as diferentes conjunções coordenativas e subordinativas, a relação dos diferentes pronomes, etc. Não será mais produtivo fazer o aluno entender a função que cada uma das classes gramaticais exerce dentro da frase? Por exemplo, seria mais prazeroso e construtivo entender que a função do substantivo é designar os seres e as coisas, e que o verbo tem a missão de informar o que acontece com os seres e as coisas, que a preposição e a conjunção têm a função de conectar os termos de uma oração e as diversas orações que compõem o período, que o pronome (pro + nome) está a serviço do nome (substantivo).
3. Terminologia gramatical – Quando os gramáticos definiram a terminologia gramatical, parece lógico que o fizessem procurando palavras que expressassem o significado e a função exercidos na frase. Exemplos: o artigo definido expressa algo definido (o trabalho), e o indefinido refere-se a algo indefinido (um trabalho); o verbo transitivo assim se chama porque transita (movimenta-se) em busca de um complemento; a voz ativa é assim chamada porque expressa uma ação do sujeito, enquanto na passiva o sujeito é passivo da ação e na reflexiva a ação do sujeito reflete-se sobre ele próprio. Nada de prático, objetivo e duradouro resultará da penosa memorização dessa terminologia; entender e observar atentamente seu significado, sim, levará aos objetivos desse estudo e, mais importante, levará a muitas outras descobertas.
4. A questão da sintaxe – De todo o estudo da gramática, a questão mais crucial e deficiente no ensino da língua portuguesa é a da sintaxe. Sua abordagem se dá de forma intensa, tanto no ensino fundamental quanto no médio, mas, em regra, o estudante quase nada aproveita de prático desse enorme esforço de aprendizagem. Mais do que em qualquer outro campo do estudo da língua, usar apenas a memória como forma de aprendizagem da sintaxe é totalmente inócuo. Dizer, por exemplo, que é fácil identificar o vocativo porque ele vem sempre isolado por vírgula ou vírgulas é uma falácia, pois se inverte a relação causa-consequência: a vírgula não é causa do vocativo, mas consequência; é preciso identificar o vocativo, para então usar a vírgula. A consequência dessa falácia não poderia ser outra: apesar de todos terem decorado a “mágica regra”, são raros os brasileiros que usam a vírgula do vocativo. Outro exemplo: de nada adianta ensinar que o adjunto adverbial deslocado requer o emprego de vírgula ou de vírgulas se o aluno não é levado a identificar o adjunto adverbial. O mesmo vale para o aposto, os elementos explicativos em oposição aos restritivos, a concordância, a crase, etc. Em síntese, para a aprendizagem da sintaxe só há um caminho: o da inteligência. Sem contar que se trata de uma forma mais desafiadora e, por isso mesmo, mais prazerosa e conquistadora do conhecimento.
Os casos apresentados são apenas alguns exemplos. O professor deve buscar aplicar o mesmo a outros campos do ensino da língua.

Sugestões de atividades

1. A melhor forma que conheço de desenvolver a capacidade de atenção e reflexão é a leitura de uma boa história (romance, novela e conto), em que o leitor se obriga a ficar atento ao enredo, porque desperta nele a curiosidade em torno da evolução dos fatos; ele não quer perder o fio da meada, levando-o espontaneamente a ficar atento e a desenvolver essa indispensável capacidade. Também os filmes cumprem essa função, assim como o teatro. Portanto, o professor deve, permanentemente, estimular essas práticas no aluno.
2. Escolha textos adequados para treinar a observação dos alunos em relação aos fundamentos de grafia da língua portuguesa. Estimule-os a procurarem justificar as diferenças de grafia entre palavras.
3. A partir de bons textos, faça os alunos identificarem a classe gramatical a que pertencem as diferentes palavras que os compõem.
4. Sempre que apresentar algum conteúdo da gramática, procure mostrar o significado da terminologia empregada.
5. Quando apresentar os conteúdos da sintaxe, a partir de textos bem escolhidos, mostre a aplicação prática do estudo teórico da análise sintática. Assim, você fará o aluno gostar desse estudo e, em consequência, dominar a estrutura frasal.

Paulo Flávio Ledur é Mestre em Linguística Aplicada (PUCRS), ministrando Língua Portuguesa e Redação Oficial em diversas instituições de ensino e treinamento. Desenvolve cursos de atualização de professores de Língua Portuguesa. É autor de vários livros, todos pela Editora AGE, de Porto Alegre, destacando-se: Português Prático (13.ª edição); Análise Sintática Aplicada, em coautoria com Luiz Agostinho Cadore (3.ª edição); Guia Prático da Nova Ortografia (10.ª edição); e Redação Oficial dos Municípios. Contatos: ledur@editoraage.com.br.

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